Descobri Jacques Perconte em Paris, numa deambulação pelas inúmeras galerias de arte daquela cidade. O seu trabalho chamou-me logo à atenção. Pois desenvolve-se em torno da noção de deslocação, de viagem e do movimento. Essa expressão reflecte-se na série de pequenos vídeos (ensaios) "Paris, sans titre" que apresentamos neste artigo. Este projecto pareceu-me deveras interessante, pois combina imagem em movimento com deformação temporal e criação sonora inaudível.
Os trabalhos de Perconte definem-se por uma sequência de imagens justapostas num ritmo quebrado pela velocidade. Um ritmo quebrado mas contínuo, numa espécie de piscar descontínuo de um fluxo de imagens sem referências. Sequência de imagens essas que poderíamos apelidar de "corpo": um corpo em movimento, uno mas variável, um corpo digital deformado (e esticado) pelo tempo.
Nos trabalhos de Perconte, o tempo é um elemento de trabalho fundamental: é com o tempo que ele molda o seu "corpo" de imagens e cria uma linguagem visual "estirada" que ao fim ao cabo não leva a lado nenhum. O tempo aqui é instrumento, é ferramenta de trabalho escultórica. Transformação do tempo, mas também deformação (aceleração). É nessa variação temporal que Perconte propõe a criação de uma sequência deformada, ritmada, numa espécie de dança de imagens que balançam entre o fundo e a forma.
O que mais me intrigou na obra de Perconte foi a sua capacidade de reproduzir um efeito musical num perfeito silêncio sonoro. O desfilar das imagens (ou direi da única imagem? - parece que estamos perante uma única imagem esticada), a variação das cores, dos traços e dos pontos que as compõem fazem-nos ressentir uma musicalidade das formas, um ritmo de sons e notas que, mesmo não existindo, parecem vir ao de cima, numa luta constante entre a imagem e o som. A arritmia criada pelos elementos picturais lembram-nos uma composição erudita de sons abstractos, provocados por uma decomposição hipnótica das imagens.
Prova de descontinuidade contínua, as obras de Perconte apresentam-se como excertos (trechos) imagéticos e sonoros. Parem-nos uma tentativa de encontrar uma realidade vivida que já não existe (que passou), onde o tempo (apesar de linear e contínuo) desafia as normas de continuidade e cria o que poderíamos intitular de “ilusão de continuidade”. Nesta procura pela temporalidade das imagens, Perconte acaba por fazer desaparecer o tempo, as imagens transformam-se num corpo que nunca é e que nos foge: é o próprio movimento que desaparece.
Os obras de Perconte são como pintura em movimento, quadros de imagens surrealistas que nos atiram para um lugar qualquer, lá nesse infinito que nunca veremos.